Mudanças radicais que podem melhorar nossas vidas

Decidi escrever o texto que segue a partir de um comentário feito por uma leitorapor que as decisões que tomamos durante nossas vidas (às vezes, aos 18, 20 anos de idade, para cursar uma graduação) devem ser definitivas? Por que não podemos, a certa altura da vida, simplesmente perceber que algo pode estar fazendo mal a nós, e mudar o rumo de nossa vida?

Durante os meus mais de 50 anos trabalhando no Instituto de Física da USP, pesquisando, orientando estudantes, dando aula para alunos da Física, Biologia e Farmácia, tive oportunidade de testemunhar inúmeros casos de pessoas mudando de curso ou de área de pesquisa, que gostaria de compartilhar.

A pressão imposta pelos familiares, pela sociedade, pela chance de emprego, para escapar da tutela dos pais, leva muitos alunos a escolherem cursos universitários longe de casa ou profissionalizantes, embora eles nem sempre sejam os mais indicados. Além disso, não é nada fácil saber o que cada curso oferece propriamente, apesar de esforços da USP hoje em dia, por exemplo, em divulgar os cursos. No meu caso, por ter facilidade em exatas, todos, inclusive a professora de Matemática do colégio, achavam que eu prestaria vestibular para Matemática. Escolhi Física, sem muito conhecimento e foi uma sorte, pois se tivesse entrado na Matemática teria desistido. Assistindo às aulas junto com os alunos da Matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Rua Maria Antônia percebi que não me adaptaria àquele curso de Matemática.

Conheço mais de dez colegas do Instituto de Física que trocaram a Engenharia pela Física. Vários deles terminaram o curso da Poli, mas outros abandonaram no meio do caminho e se sentiram muito aliviados, quando optaram pela Física.

Uma aluna da Farmácia, um dia, veio me pedir revalidação do curso de um semestre de Física da Farmácia pelo de quatro semestres de Física da Poli. Ela me contou que havia cursado Engenharia Química durante dois anos e veio sentindo que não era isso que esperava do curso. Conversando com colegas da Química achou que este sim era o curso. Prestou vestibular, entrou mas largou após um ano, pois não respondia às expectativas. De novo, consultando colegas, achou que o curso que ela queria era Farmácia, para o qual entrou depois de novo vestibular. Não fiquei sabendo se ela terminou o curso.

Nas disciplinas que tenho ministrado, todos os anos há uns dois alunos mais experientes, com mais idade, às vezes aposentados que são muito maduros, querendo de fato aprender, embora se deparem com certa dificuldade em Matemática.

Um profissional bem sucedido na área de Educação e trabalhando na UNESCO, viajando pelo mundo, formado pelo ITA, várias dezenas de anos atrás me contou que se pudesse começar tudo de novo seria pesquisador.

Um sobrinho-neto veio do Rio de Janeiro e entrou na FEA e FGV. Cursou um ano e meio a FEA, mas acabou voltando para Rio de Janeiro para cursar Odontologia. Hoje trabalha em Ortodontia.

Eu mesma trabalhei em pesquisa uns sete anos em Raios Cósmicos. Depois tive que mudar de área de pesquisa mais uma vez. Cada vez achava que havia perdido vários anos e me sentia meio perdida ao começar de novo. Percebi mais tarde que esses anos não foram perdidos, pois as experiências adquiridas permanecem e se somam. A área de pesquisa pode mudar mas os conhecimentos adquiridos, a técnica de pesquisa, a arte de escrever, a habilidade de comunicação (veja o texto Como ser bem sucedido como cientista?) vão sendo aperfeiçoados e acumulados.

Creio firmemente que devemos perseguir o que gostamos de fazer. Nunca é tarde para recomeçar um curso de graduação, ou mesmo mudar de área de pesquisa.

Sobre Emico Okuno

Emico Okuno é Professora Sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Possui bacharelado e licenciatura em Física pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1960) e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (1971). É autora ou co-autora de diversos livros didáticos de ampla utilização nas universidades do Brasil, inclusive os livros “Física para Ciências Biológicas e Biomédicas”, “Radiação: Efeitos, Riscos e Benefícios”, “Desvendando a Física do Corpo Humano: Biomecânica” e o mais recente “Física das Radiações”. Ela tem mais de 70 artigos publicados em revistas científicas internacionais e serve regularmente como revisora de artigos para diferentes revistas científicas e projetos de pesquisa para agências como a FAPESP e o CNPq.
Esse post foi publicado em Carreira profissional e marcado , , , , . Guardar link permanente.

7 respostas para Mudanças radicais que podem melhorar nossas vidas

  1. Alejandro disse:

    Olá, uma sugestão: acho que vale a pena um post sobre as mudanças dos formatos de tese, que estão passando do formato tradicional para uma coleção de artigos sobre o tema da tese. Pelo menos na minha área (engenharias) isto é novo e, portanto, tem trazido muitas discussões, desde a formatação, conteúdo, até a validade de tal formato.
    Abraços e ótimo blog!

    Curtir

  2. Gisele disse:

    Excelente tema, acontece com muita frequência…

    Curtir

  3. Thamiris disse:

    Nunca é tarde para tentar, ou melhor, conseguir ser feliz.
    Adorei o incentivo!
    Beijos

    Curtir

  4. felibem disse:

    Concordo em que nunca é tarde em começar um novo curso de graduação, porém, eu recomendo aos estudantes de últimos anos da graduação terminar o curso já que depois eles podem dar um foco bem diferente à sua formação. Um bom exemplo é minha parceira, ela se formou como engenheira de alimentos e hoje trabalha nas áreas de humanas.

    Ótimo blog, e ótimo tema.

    Curtir

  5. Arthur disse:

    Vivemos atualmente em uma sociedade que exige e nos cobra sermos felizes. Exige estarmos sempre em busca de uma coisa chamada felicidade. Entretanto, essa mesma sociedade quer, ou pelo menos tenta, nos impor (conscientemente ou não), padrões de felicidade. E convenhamos quase sempre essa felicidade, está ligada a cultura do consumo.

    A felicidade é tão subjetiva e individual quanto, por exemplo, o amor. Existem até aqueles que acreditam que os dois, a felicidade e amor, são intrínsecos e dependentes.

    Façamos todos nossas mudanças, radicais ou não. Mas sempre baseada em nosso próprio sentimento e motivação.

    Conheci o blog hoje e adorei. Vou sempre acompanhar e com a devida permissão participar.

    Arthur Brandão.

    Curtir

  6. Danielle disse:

    Adorei o texto, ele mostra que nem sempre estamos sozinhos em decisões que geram mudanças drásticas em nossas vidas. O maior problema é que nem sempre as pessoas entendem que podemos mudar internamente, e julgam o outro.
    Para mim, o ponto alto do artigo é quando foi falado que o pesquisador também às vezes muda de foco de pesquisa: isso é muito raro de se ver, principalmente porque demostra que o pesquisador é humilde o suficiente para aceitar que não está bem ali, e que quando muda de área ele precisa aceitar que tem muito a aprender. Agradeço todos os dias porque encontrei a profª Emico e o prof. Eduardo, eles nos entendem!!

    Curtir

  7. Patty disse:

    Quando eu era adolescente, sabia a profissão que eu queria e criticava os meus colegas de escola que nao tinham a menor idéia do que escolher para o vestibular. Como eu era ingênua! Eles estavam certos, era muito difícil saber o que fazer naquela idade! E eu nao fiz nada do que achava que faria!
    O jeito de levar a vida eh ser pro-ativo, tomar suas próprias decisões, buscar abrir olhos e mente, estar disposto a aprender coisas novas, a se relacionar com as pessoas, mesmo as aparentemente diferentes (de nos). Esforços (aceitar desafios) são imprescindíveis para as conquistas e para se ter uma carreira prazerosa.

    Curtir

Dê também a sua contribuição ou sugestão.