Apesar do conteúdo da seção de metodologia (“methodology” ou “materials and methods”) de um artigo científico ser em princípio óbvio, na prática adotam-se diferentes estilos e alguns prejudicam o entendimento do artigo. Além do mais, existem outras questões cuja resposta não é tão óbvia, como por exemplo: qual o nível de detalhe a ser apresentado?
Em geral, a seção de metodologia descreve os equipamentos, amostras e procedimentos usados para obter os resultados apresentados no artigo. O nível de detalhe deve ser suficiente para um especialista na área poder reproduzir os resultados obtidos. Portanto, todos os detalhes experimentais e análises que podem afetar os resultados devem ser apresentados e discutidos. Esse critério é um bom guia para julgar se o conteúdo da metodologia está adequado.
Do ponto de vista estrutural, alguns autores preferem uma descrição geral dos métodos, enquanto outros preferem descrever o procedimento usado em cada experimento específico. Vamos discutir um pouco mais esses dois estilos.
Metodologia como descrição geral
Uma opção é usar a seção de metodologia para descrever os equipamentos, amostras e processos apenas de forma geral, sem especificar como cada um se aplica aos experimentos individuais. Na seção de resultados, o autor pode discutir brevemente como os instrumentos foram usados para obter os resultados que estão sendo apresentados.
Fazendo uma analogia com um carpinteiro escrevendo um artigo, na metodologia ele descreveria quais as ferramentas usadas (e.g., tipo e fabricante do martelo, furadeira, serra, morsa, instrumentos de medida etc.), ressaltando a função delas para a tarefa em questão, mas sem detalhar passo-a-passo como essas ferramentas foram usadas para construir cada objeto. Nos resultados, ele discutiria como essas ferramentas foram usadas para construir, por exemplo, o armário (isto é, o resultado) e apresentaria as características do armário construído.
Veja esses exemplos do que poderia ser apresentado na metodologia e nos resultados:
Metodologia: “All samples were irradiated with beta rays from a 90Sr/90Y source delivering a dose rate of 100 mGy/s, calibrated against the National Institute of Standards and Technology using to the protocol described by Doe et al. (1983). Thermoluminescence measurements were carried out using a Risoe TL/OSL reader (model TL/OSL-DA-15, Risoe National Laboratory, Roskilde, Denmark) at a heating rate of 1 °C/s using nitrogen gas and using approximately 10 mg of powder deposited in steel cups.”
Resultados: “To obtain the dose response, the samples were irradiated with doses in the 100 mGy – 100 Gy range and the thermoluminescence was read immediately following irradiation. For each dose, five aliquots were used to estimate the uncertainties in the measurements. The results presented in Fig. 1 show that the response is linear in the range investigated and…”
A vantagem deste tipo de estrutura é que ela permite ao leitor já familiar com os equipamentos e procedimentos (ou simplesmente não interessado nos detalhes) entender os resultados sem necessariamente ler a metodologia. Se o leitor tiver interesse, ele pode sempre consultar a metodologia para entender melhor o tipo de equipamento usado ou como os dados foram analisados.
Se for esse o estilo, organize a metodologia (e.g. Seção 2) em sub-seções de acordo com instrumento ou experimento, como por exemplo:
2.1.Samples
2.2.X-Ray Diffraction Analyses
2.3.Thermoluminescence Measurements
2.4.Data Analysis
2.5.Etc.
Metodologia como descrição específica dos experimentos
Outra opção para a metodologia é descrever cada experimento realizado em detalhe, além da descrição geral das amostras e equipamentos usados. Nesse caso a seção de resultados apresenta apenas os resultados e sua interpretação.
Digamos, por exemplo, que o autor estudou a sensibilidade, linearidade e dependência angular de um dado detector. Nesse caso, o autor pode preferir descrever na metodologia cada um desses experimentos detalhadamente, começando pelos equipamentos usados, mas incluindo os detalhes e a sequência de como esses equipamentos foram usados.
No analogia com o carpinteiro, ele descreveria na metodologia não apenas as ferramentas usadas, mas como as ferramentas foram usadas para construir cada objeto. Na seção de resultados ele descreveria apenas os objetos produzidos e suas características.
Se for esse o estilo, organize a metodologia (e.g. Seção 2) em sub-seções de acordo com o experimento, como por exemplo:
2.1.Detector
2.2.Determination of Sensitivity
2.3.Determination of Signal Linearity
2.4.Determination of Angular Dependence
2.5.Etc.
A seção de linearidade (seção 2.3) contém, por exemplo, uma descrição detalhada de como os dados foram obtidos:
“The linearity of the detector was determined by exposing it to light with 255 nm wavelength from a deuterium source, modifying the irradiance at the detector position using neutral density filters (model, manufacturer). The neutral density filters were combined to obtain irradiance values between 10 mW/cm2 and 500 mW/cm2. The detector reading was corrected for the background reading when the light source was off.”
A desvantagem desse tipo de estrutura é que o procedimento é apresentado em uma seção (metodologia) enquanto os resultados são apresentados em outra seção (resultados). Isso obriga o leitor a ler a seção de metodologia para entender os resultados, mesmo que ele não esteja interessado nos detalhes.
Não só isso. Como todos os experimentos foram descritos primeiro, e os resultados são só apresentados depois, é difícil entender os resultados sem ter que consultar novamente a seção de metodologia o tempo todo. Na minha opinião é importante que o artigo possa ser lido de forma linear sem prejudicar o entendimento. (Por exemplo, deve-se sempre evitar referir-se a uma seção que aparece posteriormente no artigo.)
Talvez o tipo de investigação demande essa forma de apresentação. No entanto, considere as possibilidades e identifique a que é mais adequada, isso é, a que permite uma comunicação mais clara e inequívoca do conteúdo científico.
Outras sugestões para a metodologia
- Para equipamentos comerciais, indicar o tipo de equipamento, modelo, e fabricante. Em geral costuma-se indicar a cidade e país do fabricante, mas para grandes empresas globalizadas (e.g., Hamamatsu), eu tenho dúvidas de que esse tipo de informação é relevante.
- Evite detalhes irrelevantes que não afetam os resultados, como, por exemplo, o programa usado para fazer um gráfico.
- Evite descrever o fundamento da técnica (por exemplo, qual o fundamento da técnica de difração de raios X). Se isso tipo de descrição for realmente necessária, ela deve estar na introdução do artigo e não na metodologia.
Tenha também em mente que a discussão apresentada aqui não é exaustiva e certamente cada área de pesquisa ou tipo de investigação pode exigir diferentes estruturas de metodologia. Independentemente do estudo, a ênfase deve ser na clareza e precisão do texto, como em todo texto científico.
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Leia também:
- Principais erros a evitar ao preparar um manuscrito
- Como organizar as idéias para um artigo científico
Contribuíram para este artigo: Emico Okuno e Stefanie Menusso
Muito boa a colocação e também muito pertinente.
Sou graduanda do curso de Licenciatura em espanhol no IFRN e sou muito grata pela contribuição.
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Essa exposição me deu clareza para continuar a redação do meu projeto de mestrado, que realmente não é difícil, mas tem algumas situações que as vezes trava o raciocínio. aleu, grata pela disponibilidade das informações.
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Estou graduando em letras Português/Espanhol e achei fantástico o material.
Valeu mesmo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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Foi muito bom, me ajudou bastante.
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Muito bom!
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Graduada em farmácia..
Para participar de uma pesquisa de mestrado, é obrigatório que eu tenha participado de uma pesquisa de iniciação científica????
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Romilda, acho que preciso de alguém da área de Farmácia para responder a sua pergunta. Na Física a resposta é não, não é necessário ter iniciação científica, embora a experiência da iniciação facilitará bastante o mestrado. Eu acho a iniciação científica também uma boa oportunidade para explorar potenciais áreas para uma pós-graduação. Eu mudei de área completamente da iniciação para o doutorado.
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Pedagoga – Patricia dos Santos
como construir uma metodologia de ensino para empresas
Podem me ajudar?
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Patricia, eu infelizmente não tenho uma resposta. Fica a pergunta para os leitores. Se você entrou com seu e-mail para acompanhar a discussão, deve receber uma mensagem quando alguém responder. Abraços.
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Muito bom o site, parabéns! Sou mestrando em modelagem de software e estou realizando uma investigação de uma técnica específica de desenvolvimento de software. Não planejei no entanto, nenhum experimento para comprovar resultados. Há algum problema em não realizar experimentos em projetos de mestrado? Existem metodologias que não envolvam experimentos?
Obrigado!
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Marcus, muito do que escrevemos vem da nossa experiência em Física experimental e com certeza não se aplica a todas as áreas. Infelizmente não podemos comentar sobre cada área específica – essa é uma pergunta mais apropriada para os orientadores. De qualquer forma, obrigado pelo apoio!
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Wandemberg diz Oi Eduardo Muito bom o site, parabéns! Sou pós-graduado em historia e estou realizando uma investigação em busca do mestrado ouvir uma fala de um representante de uma instituição que nós apresentou uma proposta de fazer o mestrado fora do país em parceria com entidades espano fiquei preocupado foi com a validação do diploma você tem as leis que eu possa me embasar e que tire essa duvida agradeço
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Parabéns pelo site e obrigado pelas orientações !
Uma dúvida: sou mestrando em Engenharia Civil e estou preparando um artigo para um congresso onde pretendo apresentar uma metodologia para medir certo parâmetro no campo. Já utilizo o método há algum tempo e tenho vários resultados que me fornecem a incerteza da medição. A questão é: onde seria mais interessante apresentar os detalhes sobre o cálculo da incerteza, no item Metodologia ou na Discussão ?
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O método geral eu escreveria na metodologia. Se quiser apresentar a estimativa da incerteza em algum caso específico do resultado, eu colocaria iisso nos resultados.
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Adorei o site! Sou graduanda em ciências contábeis e tenho muita dificuldade em me expressar… valeu as dicas obrigada!
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Que bacana estas explicações isto ajuda a nos da corajem para enfrentar um mestrado sem tanto temor de falta de capacidade intelectual.
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Bom dia
não teriamos bons exemplos de descrição da metodologia em portugues?
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Boa sugestão. Tentaremos preparar algo no futuro.
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Seria interessante a tradução do conteúdo em inglês para compreensão geral.
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Kethely, obrigado pela sugestão. De fato, a ideia original era ajudar com publicações internacionais, mas vejo que o conteúdo tem utilidade para publicações me português também. Continuaremos a melhorar os artigos já publicados e a publicar novos artigos.
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A publicação esclareceu algumas dúvidas que tinha na construção de meu relatório empresarial.
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Gostei
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ola!Meu nome e Leninha e sou estudante de direito e ja estou fazendo meu projeto de pesquisa ,meu tcc o meu tema e extinção do exame da ordem ,e tou na duvida como fazer as hipótese e a metodologia,gostaria de uma opinião alguém pode me ajudar?Ficarei grato!
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como faço a metodologia e analise de dados para educação tecnologica?
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Gostaria de uma ajuda para fazer a metodologia de um artigo.
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Parabéns pelo artigo. Completo!
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Estamos fazendo um projeto de artigo, sobre variações linguísticas, tudo que escrevemos, sobre a metodologia, nosso orientador diz que está genérico, embora peça que não nos estendamos muito no texto, está difícil, alguém pode nos dar uma sugestão?
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Conheço um site que tem tudo sobre este assunto: http://www.revisaoetraducao.com.br/tcc-passo-a-passo-a-metodologia/ com várias dicas!
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Pingback: COMO ESCREVER: Justificativa – INFINITE Desenvolvimento Humano
Republicou isso em Produção Acadêmicae comentado:
Metodologia, por definição, trata os métodos a serem seguidos (ou que o foram) para a obtenção de um resultado.
O site Ciência Prática apresenta uma descrição de como preencher essa lacuna que, muitas vezes é provocada nos trabalhos acadêmicos.
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